A nossa Constituição Federal de 1988, em seu art. 145, define as espécies de tributos que podem ser instituídos pelos entes públicos, cuja redação é a seguinte:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
I - impostos;
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. (grifo nosso)
Dentre as 3 espécies de tributos, falaremos hoje sobre a contribuição de melhoria, cuja definição encontra-se no Código Tributário Nacional, vejamos:
Art. 81. A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado. (grifo nosso)
Aqui é importante se atentar ao trecho destacado acima. A contribuição de melhoria incide nos casos em que há obra pública finalizada e que essa obra gerou valorização econômica dos imóveis beneficiados. Ou seja, deve haver as duas situações: obra pública e consequente valorização imobiliária. Não existe a cobrança se tiver apenas um desses requisitos, conforme podemos verificar nas decisões abaixo:
RECURSO INOMINADO. TERCEIRA TURMA RECURSAL DA FAZENDA PÚBLICA. MUNICÍPIO DE VISTA GAÚCHA. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA. VALORIZAÇÃO DO IMÓVEL NÃO COMPROVADA. ILEGITIMIDADE DA COBRANÇA TRIBUTARIA. REPETIÇÃO DE INBÉBITO DEVIDA. 1. Preliminar. Deve ser afastada a preliminar de inépcia da inicial, visto que a peça inaugural atende a todos os requisitos dispostos no art. 319 do Código de Processo Civil. 2. Mérito. No caso dos autos, inexiste comprovação da efetiva valorização do imóvel a garantir a legitimidade da cobrança de contribuição de melhoria feita pelo Município, mostrando-se ilegal sua exigibilidade. 3. Sentença de procedência mantida por seus próprios fundamentos, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/1995. RECURSO INOMINADO DESPROVIDO. UNÂNIME.(Recurso Cível, Nº 71009361262 TJRS, Terceira Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: Alan Tadeu Soares Delabary Junior, Julgado em: 26-10-2020). Data de Julgamento: 26-10-2020. Publicação: 28-10-2020 (grifo nosso)
REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DA EFETIVA VALORIZAÇÃO DOS IMÓVEIS. ILEGALIDADE DA BASE DE CÁLCULO DERIVADA DO CUSTO DO EMPREENDIMENTO DIVIDIDO NA PROPORÇÃO DA TESTADA DOS IMÓVEIS. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 81 E 82, I, 'C', § 1º, DO CTN. TRIBUTO INEXIGÍVEL. PRECEDENTES. CONCESSÃO DA SEGURANÇA MANTIDA. REMESSA CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJSC, Remessa Necessária Cível n. 0300347-52.2018.8.24.0141, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Artur Jenichen Filho, Quinta Câmara de Direito Público, j. 13-10-2020). (grifo nosso)
TAXA DE PAVIMENTAÇÃO COBRADA PELO MUNICÍPIO DE ANAPOLIS. INCONSTITUCIONALIDADE POR CONSTITUIR HIPÓTESE DE CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA, INSTITUIDA SEM OS REQUISITOS DESTA. (RE 89749, Relator(a): SOARES MUNOZ, Tribunal Pleno, julgado em 29/03/1979, DJ 19-04-1979 PP-03067 EMENT VOL-01128-03 PP-00750 RTJ VOL-00094-01 PP-00327) (grifo nosso)
Ressalta-se que a contribuição de melhoria é tributo que exige esses dois fatores, ou seja, deve haver necessariamente a existência do binômio obra pública/valorização imobiliária.
Ato contínuo, para ser cobrada é preciso ser instituída por Lei, sendo que essa Lei deverá observar os requisitos estabelecidos no art. 82, do Código Tributário Nacional. Aqui vamos por partes.
Quanto à publicação prévia (I), deverá conter os seguintes elementos:
a) memorial descritivo do projeto;
b) orçamento do custo da obra;
c) determinação da parcela do custo da obra a ser financiada pela contribuição;
d) delimitação da zona beneficiada;
e) determinação do fator de absorção do benefício da valorização para toda a zona ou para cada uma das áreas diferenciadas, nela contidas;
Salienta-se aqui que é fundamental saber o custo total da obra, pois é a partir dele que será possível calcular o valor do tributo para cada imóvel beneficiado pela obra pública.
Quanto ao prazo para impugnar a publicação prévia (II e III):
II - fixação de prazo não inferior a 30 (trinta) dias, para impugnação pelos interessados, de qualquer dos elementos referidos no inciso anterior;
III - regulamentação do processo administrativo de instrução e julgamento da impugnação a que se refere o inciso anterior, sem prejuízo da sua apreciação judicial.
Após a publicação prévia tratada em tópico anterior, os indivíduos que foram atingidos pela obra pública deverão ser notificados para no prazo de 30 dias apresentar eventual impugnação de qualquer questão relativa aos elementos constantes na publicação prévia. Tal impugnação se dará mediante processo administrativo junto ao ente público respectivo, podendo ser levado à esfera judicial caso assim seja necessário.
Quanto ao cálculo para cada imóvel (§§ 1º e 2º):
§ 1º A contribuição relativa a cada imóvel será determinada pelo rateio da parcela do custo da obra a que se refere a alínea c, do inciso I, pelos imóveis situados na zona beneficiada em função dos respectivos fatores individuais de valorização.
§ 2º Por ocasião do respectivo lançamento, cada contribuinte deverá ser notificado do montante da contribuição, da forma e dos prazos de seu pagamento e dos elementos que integram o respectivo cálculo. (grifo nosso)
Disso, é importante ressaltar que o cálculo da valorização imobiliária deve ser efetuado conforme as características de cada imóvel, não podendo haver o mesmo cálculo para todos os imóveis atingidos, ante as diferenças entre eles, conforme já se decidiu:
CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA - FATO GERADOR: VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA RESULTANTE DE OBRA PÚBLICA - RATEIO QUE DEVE LEVAR EM CONTA OS FATORES INDIVIDUAIS DE VALORIZAÇÃO - CRITÉRIO NÃO OBSERVADO - INVALIDAÇÃO. 1. O CTN impõe uma série de requisitos ao tratar da contribuição de melhoria; dentre eles, que para sua constituição seja levado em conta o fator individual de valorização. Evidente não se pode exigir a precisão de balança de farmacêutico. Há diversos aspectos burocráticos e técnicos a serem levados em conta. Qualquer desajuste na avaliação pode comprometer toda a exação, dificultando quase de forma absoluta que aquele que teve seu imóvel economicamente majorado retribua proporcionalmente o esforço empreendido pela Administração. Isso, porém, não quer dizer que o Fisco possa livremente desviar-se da respectiva previsão, como se existisse espaço para discricionariedade ou exageros. Permanece necessário que a Fazenda Pública avalie com razoabilidade as particulares dos imóveis. Poderá haver casos, em que a semelhança entre as propriedades possibilite que proporcional e percentualmente se dite uma valorização equivalente. O critério não será perfeito, mas aceitável. Em outras situações, contudo, em que os imóveis tenham traços e atributos que se distanciem, o Município não poderá fugir de uma ainda mais aproximada e singular apreciação. 2. No caso, houve falha na avaliação. É que a norma instituidora do tributo fez referência a laudo que considerou todos os imóveis linearmente valorizados em determinado valor percentual. Quer dizer, o vício se evidencia não na legislação em si, mas em seu pressuposto: a adoção pelo laudo de fator indistinto, como se todas as propriedades fossem, independentemente de suas características particulares, valorizadas na mesma razão. Isso fica ainda mais evidente quando referido estudo, ao calcular o grau de incremento financeiro da área, tomou os valores "médios de terrenos em ruas pavimentadas e de terrenos em ruas não pavimentadas", ou seja, deixando de adotar os aspectos individuais de cada construção - e pelos poucos detalhes ponderados pelo laudo a esse respeito se pode retirar conclusão de que as características dos imóveis eram mesmo heterogêneas, havendo, por exemplo, lotes de tamanhos e valores venais muito mais elevados que outros, o que leva à possibilidade de existência de ainda mais especificidades em cada um - para considerar, em outros termos, uma projeção coletiva da dita valorização. 3. Segurança concedida para anular o crédito tributário. (TJSC, Apelação Cível n. 0301170-45.2016.8.24.0028, de Içara, rel. Hélio do Valle Pereira, Quinta Câmara de Direito Público, j. 21-05-2020). (grifo nosso)
Conforme já exposto, a contribuição de melhoria deve ser instituída por Lei, necessariamente, não bastando norma genérica que apenas trata do tributo sem fazer menção aos requisitos mínimos (do art. 82, CTN). Há decisões judiciais que tratam da necessidade de Lei para instituir a contribuição de melhoria, a saber:
REMESSA NECESSÁRIA. DIREITO TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. EXAÇÃO COM LASTRO EM NORMA GENÉRICA. IMPOSSIBILIDADE (ART. 145, INCISO III, DA CRFB/1988 E ARTS. 81 E 82 DO CTN). SENTENÇA CÔNSONA AO DIREITO POSTO E À JURISPRUDÊNCIA MAJORITÁRIA. CONFIRMAÇÃO DO DECISUM EM REEXAME NECESSÁRIO QUE SE IMPÕE. Segundo o entendimento uníssono, "a instituição de contribuição de melhoria depende de lei prévia e específica para cada obra realizada pelo poder público, não sendo suficiente a sua previsão genérica na legislação tributária local" (TJSC, Apelação Cível n. 0300323-83.2015.8.24.0026, de Guaramirim, rel. Des. JAIME RAMOS, Terceira Câmara de Direito Público, j. 13-11-2018). (TJSC, Remessa Necessária Cível n. 0300694-47.2015.8.24.0026, de Guaramirim, rel. Rodolfo Cezar Ribeiro Da Silva Tridapalli, Quarta Câmara de Direito Público, j. 14-05-2020). (grifo nosso)
RECURSO INOMINADO. PRIMEIRA TURMA RECURSAL DA FAZENDA PÚBLICA. MUNICÍPIO DE DILERMANDO DE AGUIAR. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA. AUSÊNCIA DE LEI ESPECÍFICA OU COMPROVAÇÃO DA VALORIZAÇÃO DO IMÓVEL. ILEGALIDADE DA COBRANÇA TRIBUTÁRIA. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA COBRANÇA E REPETIÇÃO DE INBÉBITO, EM CASO DE PAGAMENTO, DEVIDAS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME.(Recurso Cível, Nº 71008153363 TJRS, Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: Maria Beatriz Londero Madeira, Julgado em: 29-10-2020). Data de Julgamento: 29-10-2020 (grifo nosso)
Para cobrar a contribuição de melhoria é necessário a obra já ter sido finalizada, pois só assim será possível verificar a valorização de cada imóvel beneficiado por obra pública.
Como a competência pela cobrança é concorrente, o que quer dizer que podem instituir a contribuição de melhoria a União, Estados, Municípios ou Distrito Federal, o ente público que fizer a obra é que receberá os valores do respectivo tributo.
Há de se observar que o STF já possui entendimento de que o recapeamento asfáltico não é considerado obra capaz de proporcionar valorização do imóvel, e que, portanto, não cabe a cobrança do tributo em questão, vejamos:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Constitucional. Tributário. Contribuição de melhoria. ART. 18, II, da CF/67, com redação dada pela EC n. 23/83. Recapeamento asfaltico. Não obstante alterada a redação do inciso II do art. 18 pela Emenda Constitucional n. 23/83, a valorização imobiliaria decorrente de obra pública - requisito insito a contribuição de melhoria - persiste como fato gerador dessa espécie tributaria. Hipótese de recapeamento de via pública ja asfaltada: simples serviço de manutenção e conservação que não acarreta valorização do imóvel, não rendendo ensejo a imposição desse tributo. RE conhecido e provido. (RE 115863, Relator(a): CÉLIO BORJA, Segunda Turma, julgado em 29/10/1991, DJ 08-05-1992 PP-06268 EMENT VOL-01660-03 PP-00520 RTJ VOL-00138-02 PP-00600) (grifo nosso)
Enfim, o objetivo do post de hoje era apresentar a contribuição de melhoria e entender melhor os seus requisitos. Espero que eu tenha contribuído de alguma forma através desse conteúdo.
Você me ajuda muito se curtir ou comentar esse post.
Muito obrigada!
Grande abraço!
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